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O Paradoxo Brasileiro: avanços históricos e abismos persistentes na luta contra a desigualdade

 

Em meio a um cenário global de crescentes disparidades sociais, o Brasil vive um momento peculiar: celebramos a menor desigualdade de renda já registrada em nossa série histórica recente, enquanto continuamos a figurar entre os países mais desiguais do planeta. Este paradoxo revela tanto o potencial transformador de políticas públicas bem estruturadas quanto a profundidade das raízes históricas que sustentam nossas assimetrias sociais.

 

Os números são eloquentes. O índice de Gini, principal termômetro da desigualdade de renda, caiu para 0,506 em 2024, o menor patamar desde que o IBGE iniciou a série histórica atual em 2012. A renda média dos brasileiros atingiu R$ 2.020 por mês, um aumento de 4,7% em relação ao ano anterior. Mais significativo ainda: a renda dos 40% mais pobres cresceu 9,3%, enquanto a do 1% mais rico avançou apenas 0,9%. São dados que, em qualquer análise superficial, indicariam um país caminhando a passos largos rumo à equidade social.

 

Entretanto, basta um olhar mais atento para perceber que ainda estamos longe de uma sociedade justa. O mesmo 1% mais rico da população detém 63% da riqueza nacional, enquanto os 50% mais pobres possuem míseros 2% do patrimônio do país. Em termos práticos, isso significa que, apesar de ganhar mais, o brasileiro pobre continua sem acumular patrimônio ou construir segurança financeira de longo prazo. A desigualdade de fluxo (renda) diminui, mas a desigualdade de estoque (patrimônio) permanece praticamente intocada.

 

O Brasil tem demonstrado que políticas públicas bem desenhadas podem, sim, reduzir desigualdades em prazos relativamente curtos. O Bolsa Família, retomado em 2023 com um aumento de 44% no valor médio, é talvez o exemplo mais emblemático. Sua eficácia é reconhecida internacionalmente – Bill Gates chegou a afirmar que “o Bolsa Família é apenas um dos muitos programas sociais que o Brasil desenvolveu ao longo das últimas décadas que ajudaram a tirar quase 1/5 da população do país da pobreza”.

 

Um dos aspectos mais inovadores do programa atual é a Regra de Proteção, que permite aos beneficiários manter o auxílio mesmo após conseguirem trabalho formal. Esta medida tem sido fundamental para quebrar o ciclo vicioso da pobreza, como demonstra o estudo da FGV Social de 2025, que apontou um crescimento de 10,7% na renda do trabalho dos mais pobres em 2024. O impacto vai além da renda imediata. Segundo dados recentes, o Bolsa Família reduziu em impressionantes 91,7% a pobreza na primeira infância. Quando consideramos que os primeiros anos de vida são determinantes para o desenvolvimento cognitivo e social, entendemos que estamos potencialmente alterando trajetórias de vida que, de outra forma, estariam condenadas à perpetuação da pobreza intergeracional.

 

Outras iniciativas também merecem destaque. O Cadastro Único, que funciona como um mapa das famílias de baixa renda e porta de entrada para cerca de 38 programas sociais, tem sido fundamental para a eficácia das políticas de transferência de renda. O Programa Cisternas, retomado em 2023, tem transformado a realidade do semiárido brasileiro, região historicamente marcada pela desigualdade regional. E o Programa Pé-de-Meia, voltado para a permanência de estudantes no ensino médio público, ataca um dos principais fatores estruturais da desigualdade: o acesso desigual à educação.

 

O mercado de trabalho também apresentou sinais positivos. A taxa de desemprego em 2024 foi de 6,6%, a menor média já registrada na história do Brasil. Mais significativo ainda: 75,5% das vagas criadas no mercado formal foram ocupadas por beneficiários do Bolsa Família, e 98,8% por pessoas inscritas no Cadastro Único. Estes números sugerem que estamos finalmente rompendo com o falso dilema entre assistência social e inserção produtiva.

 

Apesar dos avanços, alguns abismos parecem intransponíveis. A desigualdade regional continua gritante: enquanto o rendimento médio per capita no Sul é de R$ 2.499, no Nordeste não passa de R$ 1.319. A desigualdade racial é igualmente alarmante: a renda dos brancos está, em média, mais de 70% acima da renda da população negra. Nosso sistema tributário, longe de corrigir estas distorções, acaba por aprofundá-las. A regressividade do Imposto de Renda, que teve sua alíquota efetiva sobre altas rendas reduzida em 2022, foi um dos poucos indicadores que apresentaram piora no Relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades 2025. Enquanto países desenvolvidos taxam fortemente heranças e grandes fortunas, o Brasil continua a tributar mais pesadamente o consumo – que afeta proporcionalmente mais os pobres – do que o patrimônio.

 

A habitação é outro desafio persistente. O aumento da população em áreas de risco foi um dos indicadores que apresentou piora no último relatório. Sem uma política habitacional robusta, continuaremos a ver a proliferação de moradias precárias, reforçando o ciclo de vulnerabilidade social.

 

O Brasil carrega o peso de uma formação histórica marcada por profundas desigualdades. Nossa industrialização ocorreu sem inclusão social adequada, nossa urbanização foi acelerada e caótica, e o êxodo rural criou bolsões de pobreza nas periferias das grandes cidades. Esta desigualdade estrutural limita o crescimento econômico, restringe o acesso à saúde e educação, gera instabilidade social e favorece a captura do Estado por interesses privados. Há também resistências políticas significativas. Qualquer tentativa de reforma tributária progressiva enfrenta forte oposição de setores economicamente privilegiados. Programas sociais são frequentemente atacados como “assistencialistas”, ignorando-se seu papel fundamental na redução da pobreza e na dinamização da economia local. Como destacou Adriana Marcolino, diretora técnica do Dieese, “não faz sentido demonizar o gasto público que melhora a vida da população e fortalece a economia”.

 

Se queremos construir um país verdadeiramente desenvolvido, precisamos enfrentar a concentração de renda e riqueza com políticas públicas ainda mais ambiciosas. Precisamos de uma reforma tributária progressiva, com um sistema que taxe mais pesadamente grandes fortunas, heranças e rendas do capital, e menos o consumo e os salários. A eventual aprovação do PL 15.191/2025, que propõe mudanças na tributação de altas rendas, seria um passo importante nessa direção. A educação continua sendo o principal vetor de mobilidade social. Programas como o Pé-de-Meia precisam ser expandidos e complementados com investimentos massivos na qualidade do ensino público em todos os níveis. Precisamos também retomar programas habitacionais em larga escala, com foco nas populações mais vulneráveis e em soluções sustentáveis. A redução das desigualdades raciais e de gênero exige políticas específicas, que reconheçam e enfrentem as barreiras estruturais que afetam estes grupos. É fundamental implementar políticas de desenvolvimento que reduzam as disparidades entre as regiões brasileiras, com investimentos direcionados para as áreas mais pobres.

 

O Brasil vive um momento decisivo. Os dados recentes mostram que é possível reduzir desigualdades com políticas públicas bem desenhadas. Mas também revelam que ainda temos um longo caminho a percorrer. Como sociedade, precisamos decidir se queremos ser conhecidos apenas como o país do carnaval, do futebol e da desigualdade extrema, ou se aspiramos a construir uma nação onde a prosperidade seja verdadeiramente compartilhada. Os números de 2024 e 2025 nos dão esperança. Mostram que, quando há vontade política e desenho adequado, as políticas públicas podem, sim, transformar realidades. Resta saber se teremos a coragem e a persistência para aprofundar estas mudanças e enfrentar os interesses que se beneficiam da manutenção de nossas desigualdades históricas.

 

O paradoxo brasileiro, avanços históricos convivendo com abismos persistentes, é um lembrete constante de que a luta por um país mais justo e igualitário está longe de terminar. Mas também é uma prova de que esta luta não é em vão. Cada ponto percentual a menos no índice de Gini representa milhões de brasileiros com vidas mais dignas. E isso, por si só, já justifica seguir adiante.

 

DERROTADOS I – A reunião em Itamaracá mais pareceu encontro de derrotados em busca de reabilitação política. Tato e Paulo Batista, rejeitados recentemente pelo eleitorado, posaram ao lado de João Campos tentando recuperar espaço. A foto pode render manchete, mas pouco significa em termos de força real, já que ambos não conseguiram convencer nem a própria população da Ilha.

 

DERROTADOS II – A presença de Jesse Andrade, vereador mais votado, foi usada como “verniz” para dar relevância ao encontro. No entanto, fica claro que João Campos aposta em alianças frágeis e em figuras já gastas. A narrativa de “união e compromisso” soa mais como tentativa desesperada de mostrar musculatura onde só existe fraqueza eleitoral.

 

DERROTADOS III – Vender a reunião como “compromisso com o desenvolvimento” é, no mínimo, forçar a barra. Quem não conseguiu entregar resultados em seus mandatos agora fala em futuro promissor ao lado do prefeito do Recife. O movimento não passa de reciclagem de derrotados, numa clara jogada para inflar artificialmente o projeto estadual de João Campos.

 

DERROTADOS IV – No fim das contas, João Campos coleciona apoios de quem já perdeu prestígio e votos. Pode até somar nomes em fotos e discursos, mas dificilmente isso se traduz em capital político. Ao se cercar de ex-prefeitos derrotados, o socialista arrisca transformar sua “ampliação de apoios” em um fardo, que revela mais oportunismo do que força.

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