Foto: Rodolfo Loepert/Prefeitura do Recife/Divulgação
O Tribunal de Contas de Pernambuco e o MPF (Ministério Público Federal) investigam indícios de irregularidades em contratos milionários da gestão do prefeito do Recife, João Campos (PSB), com empresas de engenharia que prestam serviços de manutenção em escolas e unidades de saúde.
As suspeitas pesam sobre o modelo usado para contratação, sem passar por uma licitação própria, a execução de serviços por empresa diferente da que foi contratada, a possibilidade de pagamentos duplicados e os critérios usados para reajustes.
Aos 31 anos, João Campos exerce o segundo mandato para o qual foi eleito no ano passado, ainda no primeiro turno, com votação expressiva.
Bisneto de Miguel Arraes (1916-2005) e filho de Eduardo Campos (1965-2014), o prefeito do Recife é apontado como uma das mais promissoras lideranças da centro-esquerda brasileira e provável candidato ao governo de Pernambuco, em 2026.
Sinarco, Alca e Max
As auditorias especiais do TCE-PE miram a construtora mineira Sinarco, que não tem sede ou funcionários na capital pernambucana, e as empresas Alca Engenharia e Max Construções.
Em processos judiciais localizados pelo UOL, as três empresas são representadas pelo escritório de advocacia de João Guilherme Ferraz, ex-secretário de governo na gestão de Geraldo Júlio (PSB), aliado e antecessor de Campos.
O dono da Alca Engenharia e da Max Construções é o empresário pernambucano Carlos Augusto Góes Muniz.
Muniz é conhecido por promover festas de luxo no Recife e criar um bloco de Carnaval em Olinda, que homenageia a si mesmo.
Localizada na cidade de João Pinheiro, no norte de Minas Gerais, a 2.054 quilômetros do Recife, a Sinarco é de propriedade do empresário Cristiano Mendonça de Novaes, 49.
O Tribunal de Justiça mineiro aplicou uma multa e chegou a proibir a Sinarco de firmar contratos, por um ano, com a administração pública no estado. Os motivos foram atraso na entrega da obra do fórum na cidade de Nova Lima e atraso também na entrega da documentação trabalhista. A punição se encerrou em março deste ano.
Desde 2022, a Sinarco já faturou R$ 119 milhões em contratos com várias secretarias da Prefeitura do Recife, de acordo com dados do TCE-PE.
Por sua vez, no mesmo período, a Alca Engenharia faturou R$ 33,9 milhões, e Max Construções, R$ 32,8 milhões, em contratos próprios.
Procurada, a prefeitura do Recife afirma que “as contratações com a Construtora Sinarco seguiram rigorosamente a legislação, com foco na legalidade, eficiência e economia.”
De acordo com o TCE-PE, as auditorias “têm objetivo de aprofundar a análise dos indícios contidos nas representações do Ministério Público de Contas, e não têm prazo pré-determinado para serem concluídas”.
O órgão pediu a abertura de auditorias depois de analisar o conteúdo de denúncias anônimas e entender que há indícios de irregularidades que demandam uma investigação mais profunda.
Em paralelo, o Ministério Público Federal abriu um inquérito civil para apurar se João Campos cometeu improbidade administrativa no contrato firmado pela Secretaria de Saúde, financiado com recursos federais. A investigação corre em sigilo.
A Sinarco foi punida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais por atrasar a entrega da obra do fórum de Nova Lima. Foto: Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Contratos com as pastas de Educação e Saúde
Os maiores contratos da Sinarco com a gestão de João Campos são os firmados com as secretarias municipais de Educação e Saúde.
Com a pasta da Educação, a Sinarco e Sienergy, em consórcio em que a construtora é a sócia principal, assinaram dois contratos para serviços de manutenção preventiva e de correção em prédios de creches e escolas.
O primeiro foi assinado em 29 de dezembro de 2021, com valor inicial de quase R$ 13,7 milhões. Uma sequência de aditivos elevou o contrato para cerca de R$ 20,4 milhões.
O segundo contrato foi assinado em 17 de outubro de 2022 e tinha valor inicial de R$ 15,8 milhões. Subiu posteriormente para cerca de R$ 19,8 milhões.
Já o contrato com a Secretaria de Saúde começou com um valor de R$ 29,7 milhões, com assinatura em 8 de maio de 2023, e os aditivos o elevaram para quase R$ 43 milhões, em janeiro de 2024.
Para realizar os serviços, a Sinarco firmou uma parceria com a Alca, por meio de uma SCP (Sociedade em Conta de Participação), um tipo de associação cujo objetivo é realizar um projeto conjunto sem que a sociedade tenha firma social ou personalidade jurídica.
Na divisão da sociedade, a Alca fica com 73%, e a Sinarco, 27%.
Em sua resposta ao UOL, a Sinarco afirmou que a legislação permite a subcontratação, desde que prevista no edital e dentro dos limites estabelecidos.
“Foi com base nessa previsão que se firmou a parceria entre a Sinarco e a empresa Alca, em conformidade com os dispositivos legais aplicáveis.”
Em sua resposta, a Alca disse que “firmou contrato com as mencionadas empresas, por já se encontrar estabelecida na região e possuir ampla expertise nos serviços de manutenção de prédios públicos, sem que isso constitua qualquer irregularidade ou burla ao procedimento licitatório.”
Documentos da Sinarco que atestam a realização de serviços foram assinados por Góes Muniz e por um engenheiro que trabalha para a Max Construções.
Para Eliana Guerra, representante do Ministério Público de Contas, “a execução dos serviços permanece sob responsabilidade daquela empresa contratada e não da SCP.”
Por essa razão, independentemente da parceria firmada, Muniz não poderia assinar boletins de medição da empresa de Novaes. Os boletins atestam quais serviços foram realizados para que o pagamento seja liberado.
“Há fortes indícios de atuação coordenada de empresas operadas por um mesmo indivíduo ou grupo de indivíduos a comprometer a competitividade em contratações de serviços de engenharia pelo Município do Recife”, registra Guerra.
Em sua primeira análise, a procuradora considerou que os boletins não estão em conformidade com a legislação.
As auditorias também investigam suspeitas de duplicidade de pagamentos em serviços de manutenção realizados em creches e escolas e unidades de saúde, já que existem contratos com outras empresas para realização de serviços semelhantes.
“Não foram apresentados elementos que demonstrem de forma clara a distinção entre os serviços executados por cada contrato, nem os critérios utilizados para a definição das unidades atendidas por cada um deles”, afirma Guerra.
O prefeito do Recife, João Campos, inspeciona obra na creche de Mustardinha, em novembro de 2024. Foto: Marlon Diego/Prefeitura do Recife
Um exemplo citado é a suspeita de que a Sinarco teria recebido pela manutenção de locais que ainda estão sendo construídos por outras empresas, a exemplo da Creche Casarão Mustardinha e da Creche do Monteiro, localizadas em bairros de mesmo nome.
Em sua resposta ao UOL, a prefeitura do Recife afirma que uma outra empresa, a Topec, foi responsável pela construção da creche e a Sinarco pela reforma do imóvel já existente, no terreno ao lado do novo equipamento recém-construído.
“Vale salientar que a reforma do casarão continua em andamento, enquanto a obra da creche já foi finalizada.”
Sobre a creche do Monteiro, a prefeitura do Recife afirma que a construção foi realizada pela empresa Konex.
“A Construtora Sinarco realizou serviços no terreno anexo à Creche, que não estavam previstos no contrato de construção da unidade, bem como efetuou a construção de muro circundando a creche.”
Sem licitação própria
A Sinarco foi contratada sem licitação própria, por meio de adesão às atas de registro de preços de um consórcio municipal de Minas.
Previsto em lei, esse mecanismo de contratação funciona da seguinte forma: um órgão público realiza uma licitação para adquirir determinados bens ou serviços e, ao final, é registrada uma ata de preços com os resultados.
Outro órgão público que não participou da licitação, mas que necessita dos mesmos serviços, pode aderir à ata, e contratar o fornecedor, utilizando os preços e condições ali estabelecidos .
No caso em questão, as secretarias municipais do Recife usaram atas de registros de preços da AMMESF (Associação dos Municípios da Bacia do Médio São Francisco) e do Codanorte (Consórcio Intermunicipal Multifinalitário para o Desenvolvimento Ambiental Sustentável do Norte de Minas).
Em uma outra investigação, o Ministério Público de Pernambuco detectou fraudes na contratação feita pela prefeitura de Ipojuca, na região metropolitana do Recife, usando uma ata da mesma AMMESF.
Em dezembro de 2024, uma operação foi deflagrada e levou à prisão de um empresário.
De acordo com a avaliação da procuradora de Contas Eliana Guerra, a prefeitura do Recife não demonstrou de “forma inequívoca a excepcionalidade que justificaria a adesão a atas de registro de preços de consórcios de municípios de outro estado da federação”, em vez de realizar uma licitação própria.
Por sua vez, a prefeitura do Recife afirmou que “a adesão à ata de registro de preços que fundamentou os contratos foi realizada dentro das normas legais”.
Escritório de ex-secretário de Geraldo Júlio
A reportagem encontrou processos na Justiça trabalhista de Pernambuco em que ex-funcionários acionaram em conjunto as empresas Sinarco, Alca e Max.
O escritório que defende o trio de empresas é o Falcão Ferraz e Cunha Advogados, que tem entre seus sócios o advogado João Guilherme Ferraz.
Ferraz foi secretário na gestão de Geraldo Júlio, do mesmo partido e antecessor de João Campos na prefeitura do Recife.
As famílias de Ferraz e de Góes Muniz têm relações de amizade, apurou a reportagem, questionado sobre o vínculo com o advogado, o dono da Alca e da Max afirmou ter com ele apenas “relacionamento de trabalho”.
Já o advogado afirmou ainda que não tem qualquer relação com os contratos citados nesta reportagem.
Ainda em sua primeira resposta, Ferraz afirmou que o seu escritório “não representa —em qualquer esfera, seja cível, penal ou administrativa— a empresa Sinarco, estando, portanto, equivocada a informação apurada”.
Porém, o UOL enviou procuração assinada por Novaes, em que constam nomes de advogados do escritório, inclusive Ferraz. O documento consta nos processos trabalhistas.
Em uma nova resposta, Ferraz afirmou que o escritório possui contrato com a Alca Engenharia Ltda na área trabalhista, tendo um dos sócios elaborado defesa conjunta para Sinarco e Alca Engenharia, nos processos citados.
“A afirmação que o Falcão Ferraz e Cunha Advogados não representa —em esfera, cível, penal ou administrativa— a empresa Sinarco, é verdadeira e foi feita em relação aos questionamentos sobre processos e inquéritos cíveis, criminais e administrativos, que continuamos sem ter informações”, registrou.
As respostas completas dos citados nesta reportagem pode ser lida aqui.
Matéria do site UOL.
Para ler a materia original acesse: https://noticias.uol.com.br/colunas/flavio-vm-costa/2025/05/29/joao-campos-recife-contratos-de-engenharia.htm